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  • Nova rodada de aumento em alíquota de importação reforça protecionismo, criticam analistas

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    15.3.2013

    São Paulo, 12/03/2013

    Matéria publicada no Broadcast - Agência Estado, o serviço de informação em tempo real da Agência Estado. Os principais operadores do mercado financeiro, economistas e políticos acompanham o Broadcast. Como é um serviço fechado e foi publicada com exclusividade, a matéria não está disponível na internet.

    Mesmo lidando com o aumento de preços de produtos que tiveram suas alíquotas de importação elevadas em outubro de 2012, o governo prepara uma nova lista de 100 itens que devem receber o mesmo tipo de proteção contra importados neste ano. Especialistas avaliam, no entanto, que esta decisão por vezes tem razões menos técnicas do que o desejável e resulta em um retrocesso que fecha a economia brasileira. A solução também estaria associada a uma ferramenta utilizada para incentivar a competitividade da indústria em um momento em que não é possível fazer alterações no câmbio, por conta da pressão inflacionária.

    O aumento do imposto de importação para 100 produtos no final do ano passado gerou uma distorção reconhecida recentemente pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega: o aumento excessivo de preços no mercado interno. No final de fevereiro, Mantega alertou que estava preocupado com o avanço dos preços de produtos nacionais e a reação veio em seguida, com o primeiro corte em alíquota de importação, de 25% para 18%, no caso para papel decorativo e papéis base para impressão.

    Apesar disso, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) iniciou neste ano processo de consulta pública sobre pedidos do setor privado - foram mais de 260 - para inclusão de produtos na lista brasileira de elevações temporárias da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul. Desta lista, serão selecionados 100 itens que terão suas alíquotas de importação majoradas. A lista de exceção à TEC do Mercosul serve para proteger os mercados domésticos da concorrência dos importados e pode ser utilizada para até 200 itens, dentro do máximo permitido pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que é de alíquota de imposto de importação em 35%. Para associações exportadoras e analistas ouvidos pelo Broadcast, uma nova rodada de aumento no imposto reforça um viés protecionista e pode acabar prejudicando a indústria, que utiliza parte destes produtos como insumos.

    De acordo com o economista da Tendências Consultoria Integrada Bruno Lavieri, os problemas gerados depois da aprovação da primeira rodada de aumento nas alíquotas revelam que a pesquisa prévia não foi bem feita. "Na prática, provavelmente estes setores não estavam com tanta dificuldade assim ou talvez fosse o caso de que a produção doméstica não atende a demanda interna", disse. "O que o governo acaba fazendo é atender quem está gritando mais perto da orelha dele. E isso gera um incentivo para que todos os setores tentem o mesmo tipo de estratégia", avaliou Lavieri, que acredita que a nova rodada de proteção confirma uma atuação do governo muito em cima do curto prazo.

    "Não consigo ver lógica econômica em se fechar num mundo que precisa se abrir para se tornar mais competitivo", disse o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. De acordo com Vale, este tipo de medida acaba aumentando o preço interno destes produtos, prejudicando a própria indústria, que utiliza muitos desses itens como insumos.

    A decisão sobre qual dos 262 itens fará parte da lista de 100 será "política", segundo Lavieri. "Por mais que tenha uma consulta pública, quem acaba definindo no final é o governo. Esse tipo de distorção que aconteceu na primeira lista pode se repetir. Essa nova lista mantém o cenário desse viés protecionista do governo, ainda que com esse prejuízo de aumento interno de preços".

    De acordo com Vale, da MB, contudo, a majoração do imposto de importação é coerente com a visão do governo de aumentar o protecionismo para a indústria e "a tendência é isso se acentuar, já que neste momento por conta da inflação o governo não consegue depreciar o câmbio como desejaria".

    "Estamos infelizmente desfazendo um trabalho de duas décadas de abrir mais nossa economia. E a indústria não consegue ver como isso é prejudicial para ela mesma", disse.

    Tiro no pé

    Inconformada com a criação de uma nova lista de produtos com imposto de importação elevado, a Associação Brasileira de Empresas de Comércio Exterior (Abece) decidiu enviar nesta segunda-feira (11) um ofício à Camex com a avaliação de que a importação não deve sofrer restrições, pois é "fundamental para a competitividade da indústria".

    "Nós somos absolutamente contrários a esse tipo de atuação do governo, porque grande parte daqueles produtos que estão na lista são insumos de matérias-primas que as empresas da Abece importam para a indústria", comentou a diretora executiva da Abece, Lilia Miranda, que classifica como "tiro no pé da indústria" um novo aumento das alíquotas para importados.

    Em artigo produzido para mostrar os malefícios da nova medida, a Abece aponta que a possibilidade de elevação de alíquota gera especulação no mercado. "Consumado o aumento do imposto, a cadeia produtiva se ajusta e repassa adiante o novo preço, com impacto em todos os seus elos, com aumento da inflação e perda de competitividade."

    Além disso, segundo a associação, muitos dos produtos que entram na disputa pelo aumento do imposto "experimentaram queda na importação, o que não justifica qualquer medida protecionista". "Nossa posição é de contribuir com o governo para mostrar essas questões e colaborar para a realização de uma análise técnica. Estamos dispostos a discutir, mostrar os dados, sentar com o governo", disse Lilia.

    A posição da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) também é contrária à majoração das alíquotas, mas a entidade tomou uma atitude diferente: não vai procurar diretamente a Camex, apenas informar os associados que o princípio defendido pela instituição é o de um "comércio livre".

    "Sob o aspecto legal, o País não está fazendo nada de errado, mas o fato de criar uma lista com mais 100 produtos passa para o mundo a imagem de que o País está se fechando", disse o presidente da AEB, José Augusto de Castro, que completou: "Na primeira lista, tiveram tributos que significaram elevação de custo de produção, itens que nem são importados e ainda foi criada uma reserva de mercado permitindo que preços fossem aumentados."

    Tom Pierre, professor de tributação e comércio exterior da Fundação Getúlio Vargas (FGV), pondera, no entanto, que a função principal do imposto de importação é a regulação do mercado internacional e, portanto, passível de ser usado como instrumento tanto pelo Ministério da Fazenda para segurar a inflação, como pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior para incentivo e proteção à indústria. "Isso não é um descompasso político, são situações distintas. O governo tem variáveis econômicas em sua mão e usa isso como instrumento de ajuste, para linhas de produtos específicos", comentou. (Beatriz Bulla - beatriz.bulla@estadao.com)

    Beatriz Bulla | Reportagem| Agência Estado