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    7.11.2011

    América do Sul é grande mercado para o Brasil
    Karina Nappi e Liliana Lavoratti

    Vale muito a pena o Brasil permanecer no Mercado Comum do Sul (Mercosul), o bloco tem sido muito positivo para o País e para as empresas, basta olhar para a qualidade da pauta de exportação, apesar de todas as dificuldades. Esta é a opinião de Ivan Ramalho, que foi o principal mediador nas relações comerciais do Brasil, especialmente com os demais integrantes do Mercosul - Argentina, Paraguai e Uruguai.

    Com a experiência de quem permaneceu 16 anos no governo atuando na área de comércio exterior, Ramalho não tem dúvidas que seria bom para o Brasil estimular o ingresso de outros países no Mercosul, como Chile, Venezuela e Peru. "A América do Sul é um grande mercado para o produto brasileiro", afirma em entrevista ao DCI.

    Secretário do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) nos últimos oito anos, hoje Ramalho preside a Associação Brasileira das Empresas de Trading (Abece).

    DCI: O governo Dilma Rousseff adotou uma postura rígida frente à concorrência desleal dos seus parceiros comerciais. Esta atitude é positiva para o País?

    Ivan Ramalho: Até o final do ano passado o Brasil já tinha inúmeros processos na Organização Mundial do Comércio para combater as importações desleais e outras imposições de parceiros comerciais. Hoje existem cerca de dez processos em andamento para investigar a concorrência desleal.

    Todo processo antidumping tem a obrigatoriedade de seguir três passos: apurar o dumping, apurar o dano, comprovar contabilmente o nexo causal entre o dumping e o dano.

    O primeiro exige comparação do preço no mercado interno do país em questão com o de venda para o Brasil. No caso da China, como os chineses não são reconhecidos como economia de mercado, é só comparar o preço do produto com outro país que produza o mesmo ou semelhante e obter o resultado, que normalmente é favorável para os empresários brasileiros. Assim, no caso da China é mais fácil ser apurada e aplicada a medida. Hoje temos mais solicitações de investigação que são abertas pelos empresários junto ao governo. Contudo, os casos em que a imposição de salvaguardas era possível foram arquivados.

    DCI: Aplicar a salvaguarda não seria uma medida radical?

    IR: Sim, e precisaria estar muito bem embasada a decisão antes de ser executada [salvaguarda é o bloqueio das importações de um produto, sem que a empresa exportadora pratique qualquer deslealdade]. Esta é uma das razões para que a China peça o reconhecimento como economia de mercado, para não ter tantas queixas comerciais. Segundo as regras estabelecidas na inserção dos chineses na Organização Mundial do Comércio, em 2001, todos os países serão obrigados a reconhecer a China como economia de mercado em 2016. Ou seja, dentro de cinco anos os países terão de utilizar os preços chineses nos processos antidumping. Isso significa que vai ficar mais difícil aplicar sobretaxas contra a China.

    DCI: As relações entre o Brasil e a Argentina devem ser baseadas na resposta pela mesma moeda, como já ocorreu?

    IR: Eu acompanhei e intermediei as rixas entre os dois países desde quando começou a expressão "a terrível guerra das geladeiras", as visitas mútuas eram constantes, eu sempre tratei esse tema com cuidado, existe uma tendência de utilizar a rixa futebolística para esta questão, o que é um erro. Do ponto de vista do comércio exterior, a Argentina tem para o Brasil uma importância extraordinária, por ser o principal comprador de manufaturados. Além disso, temos um peso muito maior para eles, pois somos o maior parceiro comercial dos argentinos. Diversos problemas do passado fragilizaram a indústria e o governo argentino, e por conta disso eles são obrigados a se proteger e adotar as licenças não automáticas (LNA), não só contra o Brasil, mas contra o mundo inteiro.

    Esse processo de aplicação das LNA, não é forçosamente contra o Brasil, ele prejudica a nossa economia, mas não é o alvo principal. As estatísticas, apesar de todos esses problemas, mostram que as exportações para a Argentina continuaram crescendo. Não que eu não reconheça as dificuldades, mas o governo precisa tratar essa atitude de forma mais amena. É claro que o governo não pode ficar impassível. No âmbito geral, a Argentina continua e continuará tendo extrema importância para o mercado brasileiro.

    DCI: Como era o seu papel como intermediário nas negociações com os parceiros comerciais?

    IR: Ao longo do governo Lula eu coordenei muitas missões e reuniões bilaterais em diversos países. No Mercosul, como tínhamos muitos problemas, as reuniões aconteciam com maior frequência do que nos outros parceiros comerciais. Com isso, uma das coisas que aprendemos com essa constante é olhar os números. E o crescimento do comércio com o Mercosul sempre foi extraordinário. O bloco é muito positivo, do ponto de vista de comércio e investimentos para as empresas de todos os países. O Mercosul é uma ampliação dos mercados dos quatro países, pois é uma venda sem pagamento de tributos do comércio exterior. Evidente que o Brasil atraiu mais investimentos por ter um mercado maior. Agora, é lógico que existe uma crítica, voltada para as negociações comerciais com terceiros países, pois é necessário a posição e aprovação do bloco para assinatura de outros acordos de comércio exterior.

    DCI: Quais são as principais barreiras para a conclusão do acordo entre o Mercosul e a União Europeia?

    IR: A Argentina tem adotado uma postura protecionista que dificulta a conclusão do acordo de livre-comércio. Imaginarmos que do modo que estamos hoje, a Argentina aceitará maiores aberturas, principalmente na indústria, sendo a indústria europeia mais competitiva, será difícil. Mas a Europa também é muito protecionista, assim fica cada vez mais difícil um acordo entre os blocos. Não sei qual é mais protecionista, é uma briga boa. É necessário que haja concessões dos dois lados. Os setores mais interessados se queixam que estamos amarrados ao Mercosul. Mas não vejo tantas diferenças, o Brasil não tem preocupações tão opostas da Argentina.

    DCI: O que o governo Dilma deveria fazer  relação ao Mercosul?

    IR: Vale muito a pena o Brasil permanecer no Mercosul, o bloco tem sido muito positivo para o País e para as empresas, é só olhar para a qualidade da pauta de exportação, apesar de todas as dificuldades. Existem problemas, mas temos que olhar a balança como um todo. Perdemos um tanto na fronteira com a Argentina, mas ganhamos quanto em contrapartida? Temos que ponderar isso. Eu acho que para o Brasil seria bom estimular e atrair outros países para o Mercosul, como Chile, Venezuela, Peru, entre outros. Todos têm um bom comércio e nos beneficiariam muito do ponto de vista comercial. A América do Sul é um grande mercado para o Brasil.

    DCI: E a questão da exclusão do Brasil do Sistema Geral de Preferências da União Europeia?

    IR: Isso é uma consequência do crescimento do País, essa é a tendência. Hoje somos um dos 10 países em pleno desenvolvimento. Começamos a ter uma certa resistência à permanência brasileira no bloco, uma vez que exportamos mais do que outros países para seus vizinhos. Acredito que no curso geral o Brasil deve continuar participando do Sistema, não vejo uma exclusão abrupta dos brasileiros. Este será um processo negociável.

    Fonte: Sistema de Informações IEA/FUNCEX, 15/08/11