A Reforma Tributária argentina e seus impactos no Brasil

Autor(a): JOÃO CASALATINA É formado em Administração de Empresas (PUC) e possui MBA em Gerenciamento de Projetos (FGV). Atuou em mais de 50 projetos de Certificação OEA, implementou e gerenciou mais de 100 projetos de Drawback, participou de implementações de RECOF e realizou mais de 400 pedidos de reduções tarifárias (LETEC, LEBIT e outros). Lidera o Centro de Excelência em Cadastro de Mercadorias (CECAM), grupo do ramo de classificação fiscal, cadastro de materiais e seus periféricos, e opera como sócio-líder da prática de Comércio Exterior no Simões Pires

O novo sistema de arrecadação argentino é descentralizado e dá às províncias total autonomia tributária e, ao contrário do Brasil, ele estimula a competição fiscal para induzir crescimento econômico.

O atual sistema tributário da Argentina possui certa semelhança com o brasileiro, sendo composto por arrecadações nas esferas federais, estaduais (ou provinciais) e municipais. Da mesma forma, também possui Imposto sobre a Renda e um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) já estabelecido.

Interessante, porém, é o movimento que vem sendo liderado pelo atual presidente Javier Milei. Com um discurso de redução de até 90% da carga tributária, o presidente e sua equipe econômica desenham um sistema de arrecadação tributária descentralizado, que dá às províncias total autonomia sobre a gestão de suas arrecadações, reduzindo, portanto, a dependência destas províncias dos recursos federais a quase zero. Mas este modelo nos parece similar, não?

A Reforma Tributária brasileira vai num caminho totalmente oposto em que, embora não altere de maneira substancial a autonomia dos estados, busca acabar com a competição fiscal entre eles. Na Argentina, a competição fiscal vem sendo estimulada como uma mudança a desenvolver vetores de crescimento econômico.

No mesmo cenário, vemos a reforma de Milei tratando com naturalidade a cobrança de impostos de exportação para quaisquer processos de bens com origem argentina que sejam vendidos para outros países. Brasil, Paraguai e Uruguai possuem a sistemática de Imposto de Exportação somente para casos extremos e bastante raros, em que há necessidade de retenção da produção nacional. Ainda, olhando de maneira mais ampla, países com incidência de Imposto de Exportação são entre 25-30% dos países no mundo e, diferente da Argentina, realizam tal cobrança para regular o mercado interno e garantir prioridade de consumo interno de suas commodities e recursos naturais.

Descentralizar gestões, mudar nomes, alterar fluxos e processos são também alvos da reforma na Argentina, que mais servem para confundir do que para simplificar, pois possuem efeito prático nulo na redução da carga tributária.

E por que isso é relevante para nós? Porque a Argentina é a segunda maior economia do Mercosul e possui acordos relevantes em conjunto com o Brasil, de forma que as políticas econômicas adotadas pelo país podem impactar, direta e indiretamente, o relacionamento de todo um bloco econômico perante outros países e blocos. Adotar uma política internacional desreguladora coloca o país em um ponto incomum da zona de negociação dos demais países, fator esse bastante negativo a todo um bloco econômico que respira instabilidade e insegurança tributária e jurídica.

De maneira bastante grosseira, é nítido que o país adota políticas econômicas de transformação tributária que seguem um sentido totalmente oposto àquele que vem sendo implementado na Reforma Tributária brasileira. Não menos importante, a garantia prometida por esta reforma é a redução da carga tributária que hoje está sob poder federal, mas que, de fato, apenas transfere a responsabilidade de gestão, volume e cobrança para as províncias, que poderão, inclusive, adotar políticas de arrecadação que tragam um cenário mais oneroso do que o atual.

Ainda, é importante ressaltar que nem a Argentina, tampouco qualquer um dos outros países do Mercosul, possui algo sequer próximo ao espaço geográfico brasileiro, tampouco em quilometragem litorânea, o que faz com que aspectos logísticos sejam menos relevantes que aqueles considerados no Brasil.

Ora, se num cenário onde a logística possui enorme peso, ainda assim o tributário não raras vezes apresenta maior vantagem (haja visto Zona Franca de Manaus); num cenário sem a variável logística, o tributário será fator dominante e praticamente isolado na tomada de decisão das indústrias em relação às suas localidades, restando apenas movimentos atrelados a mão de obra qualificada, infraestrutura portuária e proximidade com fornecedores.

Eis aqui uma enorme oportunidade das províncias argentinas em analisarem parcerias público-privadas para a contribuição com a qualificação da mão de obra local que, ao atrair empresas, atrairá moradores, por fim consumidores e arrecadações tributárias mais relevantes às suas localidades, que (espera-se) possam trazer maior desenvolvimento econômico e social para as regiões. Logo, se o cunho logístico é pouco relevante e o cenário tributário se mostra pouco inovador, atrativos direcionados a segmentos específicos parecem ser uma estratégia que garantirá a sustentabilidade provincial e o benefício industrial num cenário ganha-ganha.

Só não vale esquecer que, se dentro de casa quem dita as regras é o anfitrião, cabe à comunidade internacional aceitar essas regras. Isso impacta a validade de Acordos de Complementação Econômica em que a Argentina faça parte, bem como que o Brasil também faça parte de maneira isolada ou como membro do Mercosul, podendo evoluir até a medidas antidumping, que são aquelas tomadas quando um país aumenta os tributos de determinado produto com determinada origem para garantir que os benefícios concedidos pela indústria do país do fabricante não afetem de maneira desleal o seu mercado local. Hoje, o principal alvo global dessas medidas é a China, devido a seus subsídios governamentais e influência na indústria. Amanhã, a Argentina pode ser o próximo alvo, com grandes chances de ter o Brasil como principal atração desse show, devido ao MERCOSUL.

Fonte Internet: Aduaneiras, 12/02/2025

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Redação Abece

Associação Brasileira de Empresas de Comércio Exterior

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