Autor(a): ALYSON BERGOLD
Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual do Paraná e especialista em Negócios Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Despachante aduaneiro com 15 anos de experiência em Comércio Exterior, atua como Consultor Sênior na área de Global Trade no Simões Pires, focado em implementação e gestão de regimes aduaneiros especiais, bem como na interpretação e execução da legislação tributária e aduaneira.
A reforma tributária tem estado há algum tempo no centro das discussões tributárias e aduaneiras e continuará assim até que o período de transição se encerre. Mais recentemente, em janeiro deste ano, tivemos a publicação da Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, que altera a legislação tributária nacional e institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS).
Muito se debateu sobre a ausência de detalhamentos complementares sobre os regimes aduaneiros especiais no PLP nº 68/2024, entretanto, é válido observar que o objetivo principal do PLP (e, agora, da Lei Complementar) é instituir e dispor exclusivamente sobre o IBS/IS e a CBS, substituindo os dispositivos anteriormente tratados nas Leis nºs 9.718/1998, 10.833/2003, 10.865/2004, entre outras, bem como demais Leis Complementares, MPs e DLs relacionados ao IPI, PIS/Pasep e à Cofins. Para detalhamentos e novas definições ou enquadramentos a respeito dos regimes aduaneiros especiais, torna-se necessário que o legislador proponha projetos de leis específicos sobre o comércio exterior e regimes aduaneiros.
Neste contexto, em paralelo, tramita no Senado o PL nº 508/2024, que tem por objetivo consolidar a legislação federal sobre o comércio exterior e dispor sobre os Impostos de Importação e Exportação, não abrangidos na Lei Complementar 214/2025. Tramita também no Senado o PL nº 4.423/2024, que visa estabelecer normas gerais sobre o comércio exterior de mercadorias, incluindo definições e abrangências de regimes que se encontram ausentes na já citada Lei Complementar.
Recomendamos uma especial atenção ao PL nº 4.423/2024, que dispõe sobre o comércio exterior de forma mais ampla, detalhada e em linha com as definições trazidas na Lei Complementar nº 214/2025, reduzindo a quantidade de informações específicas que exigiriam uma eventual alteração após a transição completa dos termos e condições dispostos na citada Lei Complementar e revogando os mais diversos dispositivos legais que tratam de temas relacionados ao comércio exterior (DL nº 37/1966, DL nº 288/1967, Lei nº 8.032/1990, Lei nº 10.865/2004, entre outras).
Importante observar que a Lei Complementar nº 214/2025 dispõe que não se aplicam ao IBS e à CBS as modalidades de drawback isenção e restituição, entretanto, tais modalidades permanecem até o momento previstas no PL nº 508/2024, arts. 144, 151, 152 e 186, V, “c)”, abrangendo I.I., IPI, PIS/Pasep, Cofins e AFRMM e PL nº 4.423/2024, em seu art. 144. Nesse sentido, podemos esperar eventuais modificações nos textos dos PLs citados, bem como a eventual permanência das modalidades isenção e restituição, muito provavelmente limitadas ao Imposto de Importação (I.I.) e ao Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), tributos não abrangidos pela Lei Complementar nº 214/2025.
Em resumo, a tabela a seguir demonstra os regimes aduaneiros especiais mais utilizados (em volume de empresas beneficiárias) dispostos na Lei Complementar nº 214/2025 juntamente com algumas observações e correlações com o PL nº 4.423/2024 (em tramitação):
Regime | Benefício | Observações |
Trânsito (art. 84) | Suspensão do(a) IBS/CBS | Aplicável para qualquer de suas modalidades de trânsito.Ver possível* abrangência detalhada no Capítulo II do Título III do Livro III do PL nº 4.423/2024. |
Depósito(arts. 85 a 87) | Suspensão do(a) IBS/CBS | Ver possível* abrangência detalhada no Capítulo IV do Título III do Livro III do PL nº 4.423/2024. |
Permanência Temporária(arts. 88 e 89) | Suspensão total ou parcial do(a) IBS/CBS | Definição do percentual de 0,033% ao dia de permanência no regime de admissão temporária para utilização econômica (equiparado a 1% ao mês previsto atualmente).Ver possível* abrangência detalhada no Capítulo III do Título III do Livro III do PL nº 4423/2024. |
Aperfeiçoamento(arts. 90 a 92) | Suspensão do(a) IBS/CBS | Regimes chave: Drawback Suspensão e RECOF.Abrangidos também os regimes e admissão temporária para aperfeiçoamento ativo e exportação temporária para aperfeiçoamento passivo.Ver possível* abrangência detalhada no Capítulo V do Título III do Livro III do PL nº 4.423/2024. |
ZPE(arts. 99 a 104) | Suspensão com conversão para alíquota zero | Conversão em alíquota zero em 2 anos para ativos, no momento da exportação para insumos.Ver possível* abrangência no Capítulo IV do Título IV do Livro III do PL nº 4.423/2024. |
Bens de Capital(arts. 105 a 111) | Suspensão com conversão para alíquota zero | Reporto: Conversão em alíquota zero nos termos do art. 105, § 2º da Lei Complementar nº 214/2025.Reidi: Conversão em alíquota zero nos termos do art. 106, § 2º da Lei Complementar nº 214/2025.Renaval: Conversão em alíquota zero nos termos do art. 107, § 2º da Lei Complementar nº 214/2025.Bens de Capital: Conversão em alíquota zero nos termos do art. 109, § 2º da Lei Complementar nº 214/2025. |
*Utilizado o termo “possível”, considerando que o PL 4423/2024 ainda tramita no Senado.
É importante destacar que, conforme disposto no art. 434, § 4º da Lei Complementar nº 214/2025, o eventual IS incidente sobre a operação também será suspenso pelos regimes tratados nos Capítulos I e II do Título II do Livro I da citada Lei Complementar, sendo que na importação de bens materiais, o fato gerador do IS será o registro da declaração de importação.
Dado o contexto da reforma e a perspectiva de uma base de cálculo mais ampla para o IBS e a CBS, englobando diversas despesas e, eventualmente, elevando o montante a recolher nas importações de determinadas mercadorias em comparação com o PIS/Pasep e a Cofins, o planejamento tributário eficiente e a utilização estratégica dos regimes aduaneiros especiais, assim como reduções tarifárias nas nacionalizações, ganham ainda mais relevância. A possibilidade de obter ganhos por meio de isenções e, principalmente, de postergar ou evitar o recolhimento tributário na entrada de mercadorias e insumos, impactando positivamente o fluxo de caixa, torna-se um diferencial competitivo ainda mais crucial.
Fica evidente que a publicação da Lei Complementar nº 214/2025 representa um marco inicial significativo para reestruturação de nosso sistema tributário. Por outro lado, a ausência de detalhamentos específicos sobre os regimes aduaneiros especiais evidencia a necessidade de legislações complementares específicas, evidenciando também um processo de transição dinâmico e contínuo, a exemplo dos PLs nº 508/2024 e 4.423/2024 no Senado, que sinalizam uma transição detalhada e cautelosa, não se limitando apenas ao disposto na Lei Complementar nº 214/2025.
A forma como os projetos serão aprovados e regulamentados trará impactos diretos na operacionalização dos regimes aduaneiros especiais e no planejamento tributário e aduaneiro das empresas, sendo essencial mantermos uma constante postura de aprendizado e adaptação às mudanças. Mesmo diante da proposta da reforma tributária de mitigar o acúmulo de créditos, a capacidade de otimizar a incidência tributária através de um planejamento bem estruturado e da aplicação inteligente dos regimes aduaneiros especiais permanece como uma ferramenta fundamental para a gestão financeira e a competitividade das empresas no comércio exterior.
Fonte Internet: Aduaneiras, 12/05/2025