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    7.11.2011

    DCI
    Especial: Para Ivan Ramalho, sem reduzir carga tributária não há como elevar competitividade
     
    Liliana Lavoratti e Karina Nappi
     
     

    Após 16 anos no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e comércio exterior do País, nos governos de FHC e de Lula, o ex-secretário executivo do Mdic, Ivan Ramalho, aposta na inserção dos pequenos e médios empresários nas Exportações para a China, principalmente com os incentivos que irão surgir com a Política Industrial brasileira (PI). As medidas serão anunciadas amanhã pela presidente Dilma Rousseff e pelo ministro que comanda a pasta, Fernando Pimentel.

    Em entrevista ao DCI, Ramalho, hoje presidente da Associação Brasileira de Empresas de Trading (Abece), aponta que o modo de aquecer esse mercado é por meio do cruzamento das informações culturais e econômicas com dados sobre a produção diversificada, com desenvolvimento de design e qualidade dos produtos brasileiros, inclusive em Estados menos desenvolvidos, pouco presentes no exterior.

    Para isso, a Política Industrial deverá trazer medidas efetivas para o aperfeiçoamento da logística no mercado nacional, redução da elevada carga tributária da indústria e desburocratização, enfatiza o presidente da Abece. "Os exportadores precisam de políticas públicas para ampliar a competitividade externa e interna e, com isso, melhorar a participação do Brasil no comércio mundial", acrescenta.

    Na opinião de Ramalho, o Brasil precisa prestar mais atenção nos grandes importadores mundiais, caso da China, que compra US$ 1 trilhão por ano. "Temos produtos interessantes para vender para os chineses, uma economia que a cada dia agrega mais consumidores ao mercado", diz. A seguir, a entrevista:

    DCI: Quais são as principais preocupações das empresas de comércio exterior com a nova política industrial (PI) a ser lançada amanhã?

    Ivan Ramalho: A expectativa é de que, entre as inúmeras medidas para elevar a competitividade da produção brasileira, esteja a facilitação do processo portuário e das tarifas. Tem até uma nova expressão, "porto sem papel", que significa a desburocratização do comércio exterior. Esta é uma preocupação fundamental não apenas das tradings e dos exportadores, mas das empresas em geral. Hoje, o Brasil tem uma participação maior no comércio mundial em decorrência dos avanços obtidos nos últimos anos. Por exemplo, o sistema digital de comércio exterior, Siscomex, no qual muitos documentos foram eliminados e substituídos por informações digitalizadas. Mas, ainda existe muita burocracia que pode ser reduzida para agilizar mais as nossas relações comerciais com os parceiros, com destaque para o objetivo das tradings, que são prestadoras de serviços e querem realizar suas funções com menos custo e mais agilidade, para beneficiar o consumidor final, no caso, o País e a própria indústria.

    DCI: Quais são as barreiras que encarecem o produto brasileiro?

    IR: A burocracia, a logística e a tributação pesam e encarecem a produção. A nova política industrial deve apostar na facilitação do comércio, redução da carga tributária, ampliação da logística, aprimoramento do sistema de financiamento do comércio exterior, entre outras atividades. Caso as medidas contemplem estas vertentes, principalmente a questão tributária, burocrática e de logística, trarão um resultado muito bom para o comércio exterior em geral.

    DCI: Antes do anúncio oficial do pacote, as entidades representantes da indústria demonstram insatisfação pelo fato de o governo focar a política industrial na inovação tecnológica, quando o setor espera iniciativas mais fortes para compensar o câmbio desfavorável e a concorrência com a China.

    IR: Pelo que já sabemos sobre a nova política industrial, podemos ser otimistas, pois percebemos, nas declarações das autoridades, que há um empenho grande pela redução da carga tributária. Nossa esperança é que haverá uma redução razoável da carga que onera a produção industrial brasileira, e que isso possa se refletir num produto brasileiro mais competitivo. Nossas associadas são empresas que exportam e também importam. Atualmente, 83% de tudo o que o Brasil importa são destinados à produção industrial, que é o grande importador brasileiro. Dentre essas importações estão resinas, matérias-primas, aço, equipamentos e máquinas. Parte disso, fabricada lá fora, é mais barata do que a produzida internamente. Isso acontece por causa da sobrevalorização do câmbio, o que impede a indústria nacional de competir em pé de igualdade com os importados. Hoje, existe um consenso de que a valorização do real está entre 35% e 40%. Afinal, temos imensas desvantagens produtivas. A indústria paga por isso e enfrenta dificuldade para concorrer com produtos importados, tanto internamente quanto no exterior.

    DCI: Diante dessa situação, que envolve problemas de vários tipos e de difícil solução, que política industrial poderia dar conta de resolver tudo isso?

    IR: Ainda que o governo esteja tomando medidas na área cambial, sabemos que são insuficientes para mudar o quadro atual. A ação do governo é muito importante: acho que se não fossem os instrumentos utilizados pelo Banco Central, o real estaria valendo US$ 1,40. Felizmente, o governo tem impedido uma sobrevalorização mais dramática. Mas, mesmo assim, não vamos ficar longe do que temos hoje até o final deste ano, em torno de US$ 1,55. O que temos de fazer? Primeiro, atacar a carga tributária das empresas. Acredito que a indústria tem feito seu dever de casa da porta para dentro, mas enfrenta custos elevados de impostos sobre a folha de salários e investimentos. Então, precisamos da redução da burocracia que tem efeito no custo de produção, de menos impostos na conta de energia. Além disso, uma atuação eficiente e dedicada do governo nas logísticas ferroviária, rodoviária e portuária daria uma bela contribuição. Estes três pontos são fundamentais. Mas é muito importante também um apoio mais incisivo dos setores de inovação. Todos queremos produtos com maior valor agregado, com maior conteúdo tecnológico nas Exportações, algo ainda incipiente. Metade das nossas Exportações é de básicos, e a outra metade, de manufaturados.

    DCI: Esta composição da pauta de Exportações é prejudicial ou, ao contrário, o Brasil está se beneficiando da demanda mundial por commodities agrícolas e minerais?

    IR: Uma parte das commodities que exportamos aparece na classificação do comércio exterior como produto manufaturado. Isso não é relevante. Mas a metade da indústria, o que se discrimina com alto e médio conceito tecnológico, é relativamente baixa. Assim, investir mais em inovação tecnológica é crucial. A política industrial do governo de Dilma tem de contemplar isso. Não é o caso de fazer só isso, mas isso é relevante. Temos um parque industrial muito amplo em diversos setores, como o automotivo, o de aviação, o de químicos e máquinas. Não dá para desperdiçar esse avanço.

    DCI: O senhor participou da elaboração das últimas duas políticas industriais no País. Qual o paralelo com o pacote prometido pela presidente Dilma Rousseff?

    IR: Foram duas políticas. A primeira, a Política Industrial, Tecnológica e de comércio exterior (PITCE), focada em alguns setores e na inovação tecnológica, lançada pelo ministro Luiz Fernando Furlan, em 2004. A Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), de 2008, comandada pelo então ministro Miguel Jorge, foi mais abrangente nos setores beneficiados, e deve estar sendo aproveitada para a elaboração da nova política industrial. A PDP coincidiu com o início da crise financeira mundial, o que impossibilitou o alcance das metas, embora os números atuais da balança comercial não estejam longe. Neste ano, as Exportações brasileiras chegarão a mais de US$ 200 bilhões e as importações ultrapassarão US$ 250 bilhões, o que significa uma corrente de comércio de mais de US$ 450 bilhões, desempenho esse que era uma das metas da PDP. O Brasil se aproxima de meio trilhão de dólares até o final de 2011 no seu comércio exterior, isso é surpreendente. Inegavelmente, a crise deu uma freada na PDP, mas aconteceu muita coisa boa para o País com a crise. Hoje, temos um cenário internacional ruim, mas tudo o que vier a acontecer agora será positivo para o Brasil, pois estamos solidificados como bons vendedores e compradores. Tendemos a ver o lado do exportador, mas temos que ver o lado do importador. Antes da crise de 2008 os Estados Unidos eram os maiores importadores, com US$ 2 trilhões ao ano, o segundo maior era a Alemanha com US$ 1 trilhão. Depois da crise a importação americana caiu para US$ 1,5 trilhão, o que foi devastador para a produção industrial mundial. E o Brasil não sofreu tanto porque nossas Exportações não são concentradas em manufaturados. Caso contrário, estaríamos perdidos, pois a demanda de produtos com maior valor agregado caiu muito. Assim sobrevivemos e não perdemos tanto mercado.

    DCI: Dependendo do desfecho da crise na Europa e Estados Unidos, a demanda por commodities poderá cair. Como o senhor analisa esse cenário?

    IR: A indústria seria a principal prejudicada, pois primeiro cairia o consumo dos manufaturados. As commodities são consumidas compulsoriamente. O preço pode mudar um pouco, mas o consumo não. Mas o comércio exterior pode ser reduzido de novo, nos preços e nas demandas por manufaturados. Este é mais um motivo para o País ter uma política industrial que efetivamente melhore a competitividade da indústria. Esperamos que as medidas anunciadas neste dia dois contenham metas para elevar o nível de investimentos e também ampliem nossa pauta e parceiros comerciais.

    DCI: Há um debate sobre a desindustrialização. Qual seu ponto de vista sobre esta questão?

    IR: A indústria tem crescido nos últimos anos, mas outros setores da economia, como os serviços, crescem mais, o que é um processo natural dentro do nosso contexto. A população brasileira está cada vez mais urbanizada, houve um aumento da renda da população e isso resulta em mais demanda por serviços. Agronegócios é outro setor que cresce mais ainda pelo destaque adquirido pelo Brasil como grande produtor mundial de alimentos. Esses dois setores tendem a avançar ainda mais, mas não devemos ter preocupação com desindustrialização. Nossos produtos têm qualidade e são bastante procurados. A saída de algumas fábricas daqui para outros países acontece porque as empresas buscam reduzir a carga tributária. Diante do peso dos tributos brasileiros, vale mais a pena trabalhar e produzir fora. Desta forma, há assim uma internacionalização e não uma desindustrialização das empresas. Fábricas norte-americanas e europeias estão se instalando na China, por exemplo, pela alta competitividade que o País oferece, com a moeda local desvalorizada, tributação baixa e mão de obra a valores ínfimos. É a busca pela competitividade, assim, nem tudo que vem da China é "chinês" e sim tem duas nacionalidades, a da empresa e a do país onde são fabricados.

    DCI: Como as pequenas e médias empresas podem elevar sua participação no comércio exterior?

    IR: O papel das tradings é muito importante no comércio exterior, pois há 10 ou 15 anos as empresas de comércio exterior estavam basicamente no Sudeste. Hoje, estão em todos os Estados brasileiros, inclusive nos menores do Norte e Nordeste, que ocupam espaço nesse mercado por meio de empresas especializadas no setor, como as trading.

    DCI: O que a Abece tem feito para aproximar as pequenas e médias empresas de mercados novos, como o asiático e o africano, que requerem um domínio sobre essas culturas?

    IR: Por meio do conhecimento dessas culturas tão diferentes da nossa, dos processos de importação e Exportação, do domínio das regras. As tradings facilitam ao empresário essa ascensão comercial. Essa proximidade é uma das preocupações da Abece. Queremos ampliar o cruzamento de dados, incentivar os produtores a ampliar o horizonte de potenciais mercados para os produtos e serviços brasileiros.

    DCI: Além da China, nosso principal parceiro comercial, quais os mercados que poderiam ser mais explorados pelos exportadores? IR: A China não só Exporta US$ 1 trilhão como importa US$ 1 trilhão ao ano. São grandes importadores e quase ninguém sabe ou fala sobre isso. Temos que aproveitar esse mercado, principalmente de produtos industrializados. Muito do que a indústria brasileira faz tem espaço para entrar, por exemplo o setor de calçados pode exportar para lá. A China só produz tênis, nada com grande design ou qualidade. Temos espaço para colocar calçados de couro, femininos principalmente. Aproveitar, inclusive com o escritório da Associação Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) instalado em Pequim.
     

    Fonte: Sistema de Informações IEA/FUNCEX, 01/08/11