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  • A Reforma Tributária e os impactos no Comércio Exterior (Trading Companies)

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    28.3.2024

    Autor(a): ANGELA SARTORI
    Advogada e Consultora na área tributária e Aduaneira há mais de 25 anos. Sócia da A. Sartori Advocacia (www.asartori.adv.br). Juíza do Tribunal de Impostos do Estado de São Paulo (TIT). Especialista em Direito Tributário pela PUC de São Paulo (COGEAE). Extensão Universitária em Direito Internacional pela FGV GVLaw. Extensão Universitária em Auditor de Compliance Aduaneiro, com foco no Programa OEA, pela Universidade Mackenzie. Extensão em Processo Judicial Tributário pela APET. Bacharel em Direito pela PUC. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa "Moderação Sancionatória - Redução e Relevação da multa fiscal, do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT - FGV/SP. Ex Conselheira do CARF em Brasília. Membro da Comissão de Direito Tributária e da Comissão de Direito Aduaneiros da OAB/SP, coautora e coordenadora de mais de 10 livros na área Aduaneira.

    Preliminarmente cumpre esclarecer que, o Sistema Tributário Nacional foi emendado através das seguintes Emendas Constitucionais nºs 3/1993, 29/2000, 33/2001, 37/2002, 39/2002, 42/2003, 75/2013, 87/2015,103/2019 e 116/2022. Sendo a EC nº 132/2023 a mais ampla, conferindo mudanças profundas no nosso sistema tributário.

    Assim, a Reforma Tributária tão aguardada, veio em 20/12/2023 através da EC 132/23, focada principalmente no consumo, cujo objetivo é tornar nosso sistema tributário mais justo, transparente e simples.

    Neste sentido, foi alterado o artigo 145 da CF onde vemos na EC 132/23 a criação de diversos princípios entre eles, no seu parágrafo 3º, que dispõe: 'O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente.'(gn)

    Embora, em um primeiro momento possamos entender de forma simplista que a referida Emenda Constitucional não trata dos Tributos Aduaneiros - Imposto de Importação e Imposto de Exportação, não podemos esquecer que a tributação aduaneira ocorre em cascata, portanto, havendo impactos na tributação no comércio exterior. A Reforma Tributária na referida Emenda Constitucional, cria o chamado IVA - DUAL.

    No novo Sistema Tributário proposto o IVA Dual abrangerá: CBS - Contribuição sobre bens e serviços (que deverá substituir o IPI e PIS/Cofins, a âmbito federal) e o IBS - Imposto sobre bens e serviços que substituirá o ICMS e ISS, portanto de âmbito Estadual e Municipal).

    Tais mudanças serão significativas para o Comércio Exterior inclusive devido aos sistemas informatizados interligados, procedimentos na importação, pagamento do tributos quando do Registro de DI, Siscomex, PuComex, entre outros, que vão além dos impactos tributários ou concorrenciais, teremos os impactos procedimentais, além do aumento de tempo e custo.

    Atualmente incide na importação de mercadorias o II, IPI, PIS, Cofins, ICMS e AFRM. Sendo que o IPI, PIS/Cofins e ICMS serão atingidos pela Reforma tributária.

    Para o CBS e IBS, na importação o fato gerador será a 'importação de bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou de serviços realizado por pessoa física ou jurídica ainda que não seja sujeito passivo habitual do imposto, qualquer que seja sua finalidade.'

    Temos que, o período de transição da reforma tributária terá início em 2026 e está prevista para valer integralmente a partir de 2033. Portanto, nos próximos dois anos nenhum deles incidirá, iniciando-se apenas em 2026, em relação ao IBS e CBS, devendo até lá terem sido publicadas todas as legislações complementares e ordinárias de forma a não prejudicar as operações de comércio exterior.

    Além dos tributos acima, teremos ainda o IS - Imposto Seletivo ('Imposto do Pecado'), devendo atingir os bens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Lembrando que neste caso este novo Imposto deverá ser regulamentado por Lei Complementar e portanto, não sabemos quais serão estes bens e nem suas alíquotas, muito menos o que seria prejudicial à saúde e ao meio ambiente. Sendo que este imposto poderá incidir ou não na importação, dependendo do produto, que deverá ser listado caso a caso (prejudicial ou não a saúde).

    Assim, a partir de 2026 passará incidir o Imposto de Importação, visto que não há mudanças na referida Emenda Constitucional, o CBS, IBS, o AFRMM, a Taxa Siscomex, e em alguns casos o IS, sendo as mercadorias e suas alíquotas fixadas futuramente. Permanecendo inalterável ainda, além do Imposto de Importação a CIDE - Combustível.

    Lembramos que, no Brasil, temos o Acordo do Mercosul onde está vigente a TEC - TARIFA EXTERNA COMUM (hoje informatizada cuja tributação já ocorre em cascata nos sistemas informatizados utilizados por importadores, RFB e outros) que deverá ser alterada o que por si só já podemos prever uma caríssima e robusta mudança nos sistemas informatizados dos Estados, Municípios, da própria RFB, além do próprio contribuinte importador, que deverá se adequar as novas mudanças de cálculos, alíquotas entre outros procedimentos. Deve ainda a TEC, se adaptar para a incidência do IS (imposto do pecado) e NCM.

    Portanto, os impactos no Comércio Exterior, não alcançam apenas a questão tributária, pois, temos as questões burocráticas, procedimentos informatizados, regimes aduaneiros especiais, sistemas informatizados, como o caso do Siscomex, que deverão ser alterado para pagamento dos novos tributos, além da TEC, pois está ajustado para a tributação em cascata no momento do registro da DI.

    Como esta nova burocracia irá impactar no tempo das importações e no desembaraço aduaneiro? Quanto tempo levará as mudanças dos novos sistemas de tecnologias da RFB? Os Estados e Municípios terão condições financeiras para pagar todas estas alterações? Os 2 sistemas (novo e velho) irão conviver juntos, ao mesmo tempo durante o prazo de transição? O IBS sendo regulamentado por Lei Complementar será um tributo misto do Estado e do Município? Quando na verdade a União irá regulamentar?

    Parece-nos claro que, pelo menos durante o prazo de transição teremos uma maior burocracia para os ajustes necessários, além de aumentos dos custos para implantação do novo sistema tributário, dúvidas nas questões de tributação, custos com contadores e advogados, pois, todos deverão conviver com os dois sistemas tributários.

    Tudo indica uma transição mais difícil, mais burocrática, com maior tempo para o desembaraço aduaneiro, aumentando o custo financeiro das empresas que deverão se ajustar para a convivência com dois sistemas tributários.

    Ademais, todas estas mudanças irão aumentar ou diminuir a carga tributária? Ainda não sabemos, pois, temos diversas questões não respondidas. No entanto, provavelmente não será possível baixar a arrecadação.

    Uma questão extremamente preocupante refere-se a Guerra Fiscal, que hoje ocorre devido aos benefícios estaduais de ICMS, concedido pelos Estados, sem autorização do Confaz. Como será abordada esta questão em relação ao IBS? O IBS virá para simplificar o ICMS e ISS? Qual será o local do destino considerado nas importações em operações indiretas? Basta em operações indiretas a legislação tratar como o "local do destino"?

    Portanto, nas operações de importação via Trading Companies onde ocorre as operações chamadas de indiretas o que será considerado como o 'local de destino exatamente". O Tema 520 do STF como será interpretado pelo legislador nos casos de operações indiretas? Sendo que, ainda termos a questão Municipal envolvida e não apenas Estadual, visto i IBS ser Estadual e Municipal.

    No meio de todas estas questões, temos os novos Princípios Constitucionais, no artigo 145 da CF, parágrafo 3º que trata, por exemplo da cooperação e da defesa do meio ambiente. Como se dará a aplicação deste princípio na prática? Visto que, as discussões sobre o tema no Brasil são ainda embrionárias, referentes as políticas verdes e serão vigentes nas importações? E o Programa Mover entre tantos outros.

    O que podemos ver é que há muitos pontos em suspenso que irão depender de Leis Complementares e Ordinárias e isto acarretará 2 anos de muito trabalho e estudos pela frente.

    Temos que, através da Portaria MF 34/24 se instituiu o Programa de Assessoramento Técnico à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo-PAT-RTC, composto pela Comissão de Sistematização, pelo Grupo de Análise Jurídica e por Grupos Técnicos, com vistas a subsidiar a elaboração dos anteprojetos de lei decorrentes da EC nº 132.

    Nesta Portaria foram criados Grupos de Estudos para regulamentação dos artigos da EC nº 132/2023 e dispõe no artigo 6º: 'a)  GT 1 - importação e regimes aduaneiros especiais;' Portanto, os chamados regimes aduaneiros especiais e a importação possuem um Grupo Técnico de Estudos pelo Setor Público, para elaboração das normas regulamentares. No entanto, uma questão preocupante é que, nestes Grupos Técnicos não vemos as Entidades Civis Privadas participando.

    Outra questão interessante que observamos, é que não há na EC uma definição legal dos Regimes Aduaneiros Especiais, que deverá ser objeto de Lei Complementar, além de sua regulamentação. Portanto, caberá a este grupo de estudos público definir sobre os regimes especiais previsto no artigo 6º, da Portaria citada acima. Bem definiu Fernando Pieri Leonardo e Daniela Lacerda Chaves no artigo escrito no Conjur denominado: 'Sobre reformas e tributos aduaneiros: expectativas' (https://www.conjur.com.br/2024-jan-16/sobre-reformas-e-tributos-aduaneiros-expectativas/) :

    "Por último, ficamos na expectativa do que a lei complementar vai regular e, até mesmo, considerar como inserido no conceito de regimes aduaneiros especiais. Eis uma definição que não se encontra no texto constitucional e não possui, de igual modo, limites bem definidos em nossa legislação. Qualquer tentativa de indicação do que será dos regimes aduaneiros especiais, após a reforma tributária, a partir do que temos até o momento, seria mero exercício de suposição. Nada está definido. Uma luz no fim do túnel, ou um alento, foi a notícia da criação de dezenove grupos de trabalho específicos com foco na regulamentação dos novos tributos, sendo tema do GT - 1 importação e regimes aduaneiros especiais. Certamente com foco nesses temas, aumentam as chances de um debate técnico e uma regulamentação mais adequada."

    Embora tenham muito pontos a serem regulamentados, outros que ainda não podemos prever, como se haverá ou não aumento na carga tributária na importação, o impacto nas operações internacionais será certo. E isto poderá vir afetar diretamente nossa balança comercial, portanto, devendo ser tratadas com seriedade.

    Em um artigo denominado: 'A amalucada reforma tributária irá tirar o sono de todos, no mínimo, durante os próximos 50 anos' o Professor Kiyoshi Harada ( https://ibedaft.com.br/producao-tecnica/artigos/961-a-amalucada-reforma-tributaria-ira-tirar-o-sono-de-todos-no-minimo-durante-os-proximos-50-anos.html) assim definiu:

    "Ao tempo do Império tínhamos um único artigo voltado para a tributação. Agora foram acrescidos mais 491 novas normas constitucionais, sob a bandeira de simplificação do sistema tributário, cinicamente agitada pelos defensores da pseudo reforma. E o princípio da simplicidade restou, ironicamente, inserido no texto da reforma tributária aprovada pelos precipitados legisladores constituintes derivados (§ 3º, do art. 145 da CF)."

    Conclui-se que, a legislação e os impactos da EC no comércio exterior merecem um debate aprofundado para não termos surpresas negativas no futuro, impactando nossa balança comercial, além de outros problemas que poderão causar aos importadores, Estados e Municípios conforme demonstrado acima no futuro próximo.

    Do exposto, podemos avaliar que, uma das principais desvantagens da referida reforma, é que os resultados práticos favoráveis, provavelmente serão observados a longo prazo, havendo complexas e significativas mudanças na legislação e na regulamentação tributária, além de todos os procedimentos e sistemas, afetando de forma concreta e significativa o comércio exterior brasileiro, pelo menos durante o período de transição que todos devem se preparar.

    Esperamos com este artigo contribuir com o tema e com o debate técnico, longe de esgotar o assunto que ainda está longe de finalizar.

    Fonte Internet: Aduaneiras, 28/03/2024